O que me cativa... o que hoje faz parte de mim por ter cruzado em algum momento a minha vida, por ter se tornado relevante quando o fez... o que me cativou. Tudo o que eu vi e tudo o que já foi tocado por mim fazem parte da minha essência.
Minha vida inteira segue, de alguma forma, guardada em mim. Dos vultos desapercebidos aos momentos mais especiais, eu tenho tudo comigo. Está escrito na minha história o quanto eu mudei o mundo e o quanto ele me mudou. Minhas alegrias, meus amores eternos, minhas mágoas e meu cansaço são formadores do que eu sou, do que eu serei.
Dentre as minhas lembranças mais marcantes, certa vez eu encontrei uma daquelas pessoas especiais que só se conhece umas poucas vezes ao longo da vida - eu te conheci. Tratava-se de uma época especial para você e, a partir de então, para mim também. Eu me recordo claramente como estava o céu naquela noite. Além da Lua crescente, era possível ver estrelas, mesmo se tratando de São Paulo. O som das amizades conversando no bar, o vai e vem dos garçons, do chopp ao whisky com refrigerante, as conversas. Lembro-me de como eu pedi aquele beijo, bem como o gosto dele, com o qual eu tanto me familiarizei. Lembro-me do seu sorriso. As músicas que eu escutava naquela época, a sensação da sexta-feira virando sábado... eu me lembro de tudo.
Por vezes eu me vejo imaginando aqueles momentos, que se perderam no tempo. Vejo-me pensando naquelas pessoas que eu nunca cheguei a conhecer e em como certas coisas são inexplicáveis. Eu não sei explicar o que me fez deixar o meu dia para trás, a fim de chegar a tempo naquela noite. Não sei dizer de onde veio a certeza que eu sentia sobre o que fazer, enquanto eu ia para lá - foi um dos meus maiores acertos.

Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro.
*

Se hoje eu voltasse para aquele lugar, para aquele bar, eu não veria com os mesmos olhos a lua crescente e as estrelas. Aquelas pessoas seriam outras. As conversas seriam outras. Você não estaria lá, simplesmente porque você não existe mais.

Maio de 2010


*Álvaro de Campos
Arthur Meibak

Uma vez mais, minhas intenções passam longe de Lisbon Revisited. O céu, escuro nesses instantes, precede o começo do amanhã. Decerto, sinto plenamente que o declínio dos dias e das cousas está a enxergar um final. Eu já consigo sorrir para o horizonte, que passou a fazer um sentido inexistente em mim, até ontem de tarde.
Sim: Eu quero tudo. Já disse que eu quero tudo. Ó mágoa revisitada. A Lisboa de outrora de hoje deixa de exemplificar a nostalgia em minha vida, para me mostrar a profundidade dos meus sentidos e a necessidade encontrada por mim de querer tudo uma vez mais. Eu quero o mundo novamente. Eu quero o sorriso, o choro, a oposição, contradição. A intensidade! Sim: Eu quero tudo.
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? Conseguiram, pois. Até a desilusão completa vestiu minhas vontades, ou a falta delas. Mas não. Não agora. Agora eu quero não ser sozinho. Eu quero dialogar com o passado, mas não quero morrer nele, nem por ele. Eu quero alçar meus vôos mais altos, a caminho do desconhecido. Que seja um sonho bom, daqueles em que todos vivem felizes para sempre, por mais que a eternidade dure um minuto só.
Eu busco os nossos segredos. Quero tê-los comigo. Eu quero ser fundamental, mesmo que por um breve instante. Não, o tempo não importa. Não me venham com conclusões! Não é essa morte a que eu busco. Minha morte só diz respeito ao passado, que não possui mais razão de ser em meu cotidiano.
Eu quero a insegurança de não saber o que virá. Quero distância do falso conforto proporcionado pelo sentimento de posse. Eu não quero te ter. Não devo querer. Não posso, mesmo que você vá embora com a mesma velocidade que te trouxe. Minha felicidade deve residir no fato de te ver sorrir, livre para existir da melhor forma possível.
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio não quero estar sozinho!

Arthur Meibak

– Falsas! São todas falsas as saídas que encontramos nessa vida – concluiu o rapaz. Os vôos por ele planejados fizeram com que seus pensamentos viessem para agora. Então, de uma hora para outra, o vento não lhe pareceu tão interessante como antes. Já não havia aviões no céu.
- Um simples sopro deve ser capaz de fazer um avião sair do chão – sussurrou para ninguém. Mais do que isso, ele pensou em momentos de sua vida e, pela primeira vez, pareceu a seus olhos castanho-escuros que o declínio do outono era realmente irrefutável.
- Quer dizer que esse é o final de tudo? O início? Ambos!
Em seguida, alguém bate na porta do quarto. Uma voz de mulher se prontifica a dizer alguma coisa, qualquer coisa. Essa simples ação suscitou lembranças de belas mentiras que já lhe foram contadas, e de quem as contou. Isso, de certa forma, deixou-o contente, por um momento. - As mentiras mais bonitas do mundo já me foram ditas! Juramentos de eternidade, de amor perfeito.
Sim, tudo fez sentido repentinamente. Nenhuma conclusão foi feita a respeito de a base de todo esse sentido serem mentiras. Não nesse instantinho, livre de qualquer culpa, como a que Kakfa projetava através de suas palavras. A culpa. Ah, a culpa! De natureza desconehcida, por ora. Condição do ser, essencial.
Tal realidade proporciona um tanto de angústia ao rapaz. – Os passos nunca são dados de acordo com os planos que eu vivo a fazer. Mais do que isso, a felicidade provém de inverdades? Começo, fim e meio. Ainda aprendo a lidar com a falta de controle que eu levo comigo mesmo, frente ao processo único de tudo; os finais e os começos.

Arthur Meibak

Tempo, tire tudo de mim! O meu querer, minhas ilusões, das promissoras às desanimadoras. Minhas esperanças e os sonhos que eu ainda tenho comigo, as maldições, os sentimentos, tão distintos entre si, aquele sorriso – ah, aquele sorriso –, aquele brilho... Tudo!
Se assim acontecer, novas ilusões, vontades e esperanças nascerão em mim, além de sonhos e sorrisos outros. A diferença terá algum lugar de ser, bem como os caminhos que eu escolho três ou quatro vezes por dia. Minha voz ativa possivelmente encontraria razões distintas para buscar novas glórias, para merecê-las, ao invés de esperar que as minhas rotinas simplesmente fossem contempladas com todas as honras do mundo.
Há, contudo, o que não pode ser tirado. Minha história, que não está escrita na areia de alguma praia que eu nem sei, não pode ser apagada com facilidade – não há onda que a leve consigo –, bem como as idas e as vindas da sua vida, sem final, cuja parte ínfima fora traçada nas mesmas linhas em que eu leio o inteiro da minha. Mais ainda, o sentido de tudo em mim não pode ser arrebatado, não pode ser deixado de lado, assim como os meus juízos.
Aquelas promessas. As juras de amor eterno. Eu não preciso mais delas. Eu não preciso da falsa certeza de que tudo vá durar para sempre, não mais. Les dernières vies nunca estiveram tão distantes de mim. Por isso, tire tudo, à exceção das coisas boas que eu fiz para quem eu amo, para quem eu amei, apesar de eu saber que o esquecimento é praticamente irrefutável.
Por fim, leve tudo o que tiver de ser levado; os momentos, as sensações, o presente e os amores. As certezas. Deixe então o que fica; as lembranças, a saudade, o passado e o desprotejo. As dúvidas. Siga seu curso, como há de ser. Eu tentarei te alcançar, uma vez mais.
Eu pretendo ainda desvendar, enfim, a sua luz, tempo.

Arthur Meibak

Deixarei tudo como está. Porta e janelas abertas, a despeito de eu tê-las fechado em momento inoportuno. Igualmente, deixarei o que eu fiz e o que eu não fiz terem razão de existir na página virada, lida e relida, do livro da minha vida. Eu sei que ainda tornarei a revirar os contos que falam da minha história. Eu voltarei. Voltarei meus olhos para as cortinas entreabertas. Lá esteve você, pronta para voar, enquanto o Sol das quatro horas começava a cair no horizonte e a TV contava as horas de um filme qualquer.
De repente tudo ficou como está agora. Meu sorriso, sem graça, querendo descanso, após a perda do caminhar, dos rumos e dos passos, que voltaram ao descompasso. Coração batendo no peito, feito batuque, e a entrega do viver, do meu querer. Tanto faz. Tanto fez.
Por esses dias, então, eu estive pensando que, se hoje mesmo eu deixasse de viver, alguns instantes eu jamais deixaria para trás, como aquela vez em que eu fui até o paraíso e voltei. Sim, eu fui ao paraíso, e que orgulho eu tenho de ter vivido aqueles minutos! Foi quando, pela primeira vez, eu senti que a minha existência fora de fato relevante. Eu me arriscaria a dizer que aquele foi o melhor momento dos vinte e tantos anos que contam a minha vida.
Se hoje eu morrer, longe de qualquer idealização romântica, levarei a consciência de que eu já vivi a única coisa que eu nunca poderia deixar de viver. Eu amei. De corpo, alma e coração, eu amei. Eu vivi o amor. Eu vivi o que parecia ser impossível viver. Essa é a verdade da minha vida. É a única certeza que eu tenho, frente a tantas dúvidas - são tantas as dúvidas!
Entre tudo o que já passou pelos meus olhos, essa é a verdade que me liberta. É a minha revolução, em meio a ideologias diversas e controversas. Aqueles planos que eu fazia perderam toda a razão de ser, mas eu não esperaria um segundo sequer para idealizá-los novamente, se eu ainda pudesse.

Arthur Meibak

O tempo de fato mudou as voltas dadas pelo meu coração. Fez com que as sensações que formam minha essência experimentassem novos sentidos. Os rumos que vejo à minha frente mudam com uma freqüência relevante, bem como a curva que existe logo no início desses caminhos, com o propósito de ir além de tudo o que eu consigo enxergar. Não posso ver além disso. O que faço então é projetar o fim do dia, imaginando as mais belas alegrias capazes de passar por mim.
Essa ilusão distorce, contudo, a visão que eu faço acerca do mundo, de tudo. Altera a maneira como desenho meus anseios a fim de alcançar a felicidade pela qual eu vivo. Eu volto, assim, a correr para onde nós queríamos ir, para onde nós planejávamos ir. É fato que hoje eu faço isso por mim mesmo, como deve ser. Sem essa companhia, a presença do meu querer então se faz distante daquela que eu tinha antes da última curva pela qual eu passei, a caminho de hoje. Eu não podia ver, bem como eu não posso ver os rumos últimos dessa estrada.
A certeza de tal fato impõe que essas projeções perfeitas e ideais que eu vivo a fazer de nada servem, não adiantam. Meus amores, meus amores. Idealizados à margem de tudo o que deve ser certo, sem nenhuma relativização. Não, meus amores não são relativos, nem eternos, apesar de eu sempre querer guardar os melhores momentos da minha vida no bolso da minha calça, para que eu possa retirá-los e senti-los sempre que o Sol da tarde cai no horizonte.
Esse deve ser o segredo de toda a beleza e intensidade desses instantes, únicos, incomparáveis. Eles vão embora tão depressa como quando chegam, e deixam saudade. Sim, deixam saudade. Pensar em onde eu queria ir e em onde eu de fato estou traz falta, e sobra falta. Sobra espaço no abraço como não era para ser.
De todos aqueles sonhos que nós tivemos, fica a idéia de que a inspiração sempre vê um final, de que as coisas da vida não são invariáveis.

(Arthur Meibak)

O recorte que eu faço do seu rosto, retrato quase apagado, traz consigo aquela imagem do seu corpo, capaz que foi de incendiar o meu peito. Juntamente com essa imagem, seu cheiro e sons formam um conjunto de sensações que envolvem minha saudade em uma mistura de sordidez e pureza, capaz de remontar os momentos mais humanos pelos quais eu já vivi.
Por vezes eu criei imagens praticamente idealizadas acerca dos amores que eu imaginei serem eternos, projetando uma perfeição que jamais poderia ser alcançada, a não ser em todos os mundos que não são reais. As vezes de minhas paixões eram então passiveis de todos os surrealismos possíveis, desejados.
Houve ainda horas caracterizadas por uma impureza bela e fria, trazida às minhas lembranças através de um corpo quente e dilatado de mulher. Momentos de gozo vastamente distantes de qualquer idealização sagrada, ridícula, inútil. Próximos do prazer proporcionado pela troca, pelos pudores, que são assim deixados de lado.
Sobrepondo-se a isso sei que existe você, que existiu. Sua essência transcende essa divisão burlesca imposta pela idéia de infinito, frontalmente discordante do ideal de instante. Foi em seus olhos que eu enxerguei, pela primeira vez, a sordidez e a pureza, misturadas, como uma só coisa. Seus gritos roucos opostos aos seus abraços mais calorosos. Seus olhos, pedindo o peso do meu calor. Uma afronta à inocência, que, aos soluços, você me entregou.
Eu me dei conta então de que o infinito e um momento são o mesmo. São o fim e o começo, conceituados por mim toda vez que eu me perco em meio aos desamparos que me acometem. Fato recorrente quando eu me esqueço dos meus propósitos, a fim de reviver tudo o que não está incumbido no tempo desta linha. No tempo destas paixões e deste amor, que se fez completo ao ver um final, longe de ser o fim último, suposto.
Ah, se eu pudesse parar o tempo... Eu não posso, não devo, não quero. Não posso querer.


(Arthur Meibak)

Não faz sentido não mudar esse amor que eu sinto. Não faz sentido não olhar para o que acontece em mim, lutando a favor do que eu desejo, das idealizações que eu ainda faço, apesar de sofrer com os desencontros que elas me proporcionam. Não faz sentido eu não lutar por todos os meus planos e sonhos, mesmo sabendo que eles quase nunca se realizaram; quase nunca se realizarão. O que se realiza é minha vida, que acontece enquanto eu sou guiado pelos planos que eu vivo a fazer, mas que nunca se concretizam de acordo com meus objetivos iniciais. Eu sempre me perco pelo caminho, tomando rumos distintos daqueles que eu traço em um primeiro momento.
Não faz sentido não querer parar o tempo, enquanto tudo o que eu amo escorre pelas horas dos meus dias, fazendo com que eu lamente profundamente por não conseguir guardar tudo o que eu vivi em uma caixa de sapatos. Se isso fosse possível, seria fácil matar a saudade que eu sinto sempre que penso em tudo o que eu já não posso ter.
Apesar disso, faz todo o sentido do mundo pensar que eu sou capaz de conseguir tudo o que eu quiser. É essa certeza que move meus ideais, que costumam não virar realidade. Mesmo assim, eu teimo em acreditar na minha capacidade de buscar o improvável, de lutar pelo que parece não ser alcançável. Esse deve ser o problema, meus intentos não são óbvios. Não me importo. Aceito a condição, apesar do pesar que sou obrigado a carregar toda vez que me deparo com o insucesso.
Em decorrência desse fato, é muito intensa a desventura do meu viver. Eu tenho tanto medo de me perder e não te encontrar, de me soltar e não ver seus olhos. Tenho medo de acordar cedo e saber que você não mais existe em mim. Por isso, não faz o menor sentido eu não guardar esse amor no lugar mais escondido do meu peito.
Quem você é faz também parte de mim, não há como ser diferente. Não tenho medo de me importar. O amor me liberta a favor do universo que sou eu. Essa realidade eu percebi quando você apareceu, sem pressa, tomando para si a metade que era ainda minha. Você trouxe festa em minhas tardes, mostrando para mim o teu sorrir.
É com essa proximidade que eu devo aprender a guiar efetivamente os meus passos, ao invés de ser levado pelas ondas do cotidiano, sem alcançar a efetividade de meus objetivos. Não há, assim, como não lutar por esse amor, mesmo sabendo da fugacidade das cousas da vida, em que minha vontade se insere, bem como da dificuldade inerente ao processo pelo qual eu devo passar a fim de alcançar a obra de todo o meu querer.

(Arthur Meibak)

Às vezes eu tenho a impressão de que eu preciso de mais tempo para fazer tudo de forma correta, como se, com alguns momentos a mais, eu fosse consertar o que não ocorreu de acordo com as minhas vontades. Esses instantes não existirão, assim como a perfeição planificada pela minha vontade, teoricamente imperfeita.
Aprendo, então, a matar tudo aquilo que eu já fui e tudo o que eu devo ser, morrendo, conseqüentemente, com o que não é agora, com o que já é passado. Paradoxalmente, essa é a maior das incoerências que percorrem o meu ser, porque eu sou nada senão decorrência de toda a vivência que a minha existência proporciona. Sou resultado de todos os amores que eu já julguei serem eternos, assim como todas as desventuras.
Como eu devo deixar o passado ser nada senão passado, se eu sou fruto de vivências que supostamente são “nada senão passado”? Devo negar tudo o que eu sou a favor de viver o instante presente? Há como viver esse exato instante sem a influência de todas as mágoas, resultado de ontem? Sem a influência de todos os bons momentos, únicos, inigualáveis, é possível viver as 19h36min que contam meu relógio agora? É muito tempo para ser presente! Presente?
Decerto tenho que meu paraíso começa aqui, em meio às confusões que eu teimo em criar. Meu paraíso resulta da gratidão que sinto pelas venturas e desventuras que pude vivenciar, resultantes do fato de que eu existo, simples assim. Essa consciência vai de encontro ao citado paradoxo, pois eu não sei como simplesmente deixar tudo de lado, a favor de me tornar uma página em branco para o que há de ser.
Ventos frios de tristeza me afagam em momentos inoportunos, em que eu estou longe do presente, imaginado o que eu deveria fazer para alcançar minhas idealizações. Não obstante, ondas de felicidade passam por mim enquanto minha vida acontece, em meio aos planos que vivo a traçar. Sou isso, essa ambivalência constituída por sentimentos antagônicos, que se misturam a fim de formar ao mesmo tempo minha alegria e meu cansaço.
Meu avião continua, finalmente, a ir embora, voando rumo a céus por ora desconhecidos. Dessa forma, forjo as asas que eu deveria ter para sobrepujar todos os desamparos pelos quais eu já passei. Mais do que isso, fortaleço-me para conhecer novos desamparos, com a eterna certeza de que eles são tão passageiros quanto tudo o mais.

Arthur Meibak

O personagem que veste minhas maneiras não é o mesmo que exercia esse papel há cinco, seis ou sete anos. Ele é também mais do que uma evolução reiniciada quando saí de casa pela primeira vez a fim de ir jogar futebol na rua, com cinco, seis ou sete anos.
Minhas intenções, quando o menino que eu era corria descalço sobre o asfalto quente, passavam impreterivelmente pelo desejo de aceitação frente a quem quer que se visse nas relações impostas por aqueles dias. Apesar disso, essa consciência era certamente inexistente em mim.
Em conseqüência das primeiras vivências, vieram os primeiros desamparos, as primeiras decepções. Um muro foi construído por mim ao meu redor. Uma máscara eu coloquei sobre minha face. Já não era a primeira, afinal.
Assim, todos foram sendo tidos como estranhos ao mundo que eu projetava sob a influência dos desenhos animados e dos contos de fadas que eu conhecia. Eu passava desta maneira a ocultar cada vez mais aspectos de minha personalidade, escondendo-a do mundo externo o tanto quanto fosse possível fazê-lo.
Essa herança é carregada pela aparência enganadora que personifica o presente, com as influências das vidas que não vivem o ar de agora. Há então a tal evolução do personagem, como um velho que há muito foi criança.
Contudo, não existe só essa característica na essência do fingidor. Aspectos novos são agregados cotidianamente. Objetivos são modificados de acordo com as mudanças de caminhos que os ventos costumam trazer de estações em estações, de maneira a se fazerem necessárias adequações às letras que escrevem o dia-a-dia de qualquer individuo.
Não sou o mesmo de ontem. Consequentemente, os personagens que me vestem também não são.

Arthur Meibak

O tempo flui como um rio, que segue rumo ao mar. Pseudolirismos à parte.
Tempo meu, vai atrás de alguma coisa que nem sei. Algum propósito, talvez. O propósito do rio talvez seja ser mar. O do tempo, ir embora.
Adeus, meu amor. O tempo leva meus dias para longe. É chegada enfim a hora em que os caminhos divergem entre si. Nossos rumos, que se cruzaram em algum momento, agora seguem o curso de rios que desaguarão em mares distintos.
Adeus, provavelmente para sempre. O que sobra são instantes inigualáveis, que insistem em serem levados por águas incertas, a caminho de um lugar onde só se pode chegar através de embarcações movidas por lembranças.
Tempo, quem sabe quando nos encontraremos novamente? Em quais vidas? Vá! Vá embora. É chegado o instante de voar, uma vez mais, rumo ao que desconheço, como deve ser.
Sei da importância que há em dividir uma tarde, que seja, com quem um dia passará a ser personagem de dias passados, que jamais se repetirão. Tal importância reside no fato de que isso é viver, é ter do que sentir falta, é querer novamente os motivos pelos quais risos tão sinceros vêm ao mundo, sem remorso de serem nada senão risos sinceros.
Adeus, passado. É preciso seguir em frente. É preciso fluir como um rio. Como o tempo, com ele. É preciso que eu me despeça, a fim de alcançar a eternidade, uma vez mais, apesar do nó que se faz em minha garganta toda vez que desejo dar meia volta, movido pelo saudosismo de momentos que chego a desejar com todo o meu querer. Não há solução. Não há retorno.
Assim, o que posso fazer é me despedir, a contragosto, confesso. Despeço-me a favor do que vem, do que virá. Não posso negar todo o sofrimento que essa obrigação causa em mim. Não sei como suceder frente a isso. A conclusão seria deixar meus sentimentos se cansarem do que a eles não mais faz correspondência, do que os feriu.
Goodbye my love, The tide waits for me.

Arthur Meibak

Eu me entreguei com toda a minha sinceridade. Entreguei meu corpo, minha alma e o coração que levo comigo, exatamente como fazem os personagens idealizados das histórias que não contam o que de fato é cotidiano. Esqueci, contudo, de me apanhar de volta. Perdi-me antes que eu pudesse fazer isso.
O perder-me, desta vez, não é aquele estado que alcançam as pessoas que se vêem envolvidas com o oposto do que propõe a solidão. Não é o perder-se por amor. Chega a ser um passo além disso. Trata-se, pois, de um encontro com a desilusão, com o desamparo, o desprotejo. Sinônimos para tal não são escassos, assim como o que faz essas palavras terem razão de ser em mim. Tem sido assim, ao menos.
Nessas últimas estações, não houve ainda um dia sequer sem que eu pensasse, nem que por alguns momentos, em tudo o que afastava essa ausência, da qual não consigo me livrar, apesar das tentativas. Meu coração ainda dispara quando ouço Condicional*. Fato é que não deveria ser algo tão árduo de ser superado. Tenho meu próprio tempo, afinal. Tempo esse que não pude contemplar ainda com mudança de rumos, desde a última variação de minhas certezas, causada por ação de agentes externos à minha vontade, devo ressaltar.
O conforto que sempre busquei e que, por vezes, encontrei nunca me confortou, apesar da aparente contradição, não mais que ilusória, incumbida na presente afirmação. De tal modo, vejo-me desejoso por existir da melhor forma possível, dia após dia. Essa realidade representa, por si só, mudança quanto ao que delimita o pretérito mais que perfeito vinculado às minhas memórias.
Não sinto arrependimentos por ter oferecido minha existência ao presente, que, invariavelmente, tornou-se passado. Fiz o melhor que pude. Essa é a convicção que levo em meu peito, sem despeito do coração que não pude ainda resgatar.

*Los Hermanos

Arthur Meibak

Estive, com o passar desses últimos dias, pensando mais do que brevemente a respeito de como agem, ou reagem, em determinadas circunstâncias, pessoas.
Sinto-me contradizendo o motivo de ser, não só destas, mas, de todas as linhas que intento escrever, com fim de expor vivências que dão sentido às minhas horas. Sinto isso ao mostrar juízos sobre quem quer que seja distinto de mim. Contudo, não posso deixar de me revoltar e me sentir provocado com determinadas condutas.
Assim, a troca de uma segurança por uma insegurança, agarrando-se a esta, sem que se largue aquela, levanta repulsa em meu ser, se não, ódio. A insegurança, com isso, torna-se segura, dentro das motivações por ela propostas.
Não é fácil ter que deixar um mundo confortável, para, somente depois disso, embrenhar-se em uma terra desconhecida. É mais fácil tornar conhecido o desconhecido, antes de abandonar o que já se sabe, largando-o posteriormente, apenas.
A mão que acaricia é a mesma que apunhala, bastando, para isso, que se tenham as promessas fáceis capazes de transformar as voltas de uma realidade insólita. Mais simples que mudar tal fato é ser mudado por ele, de forma a se tomar um caminho cujo deleite individual seja maior que os desprazeres coletivos.
Aprendo, assim, o que é ser humano. O que são algumas formas de buscar pelos meus próprios prazeres. Tive chances de executar esse ideário, antes que o usassem contra minha pessoa. Não o fiz. Não me arrependo. Não me arrependerei, jamais, apesar da força deste dizer. Jamais! Devo repetir.
Passo, enfim, a presenciar a transformação de meus sentimentos. I've loved, turned to hate. Que seja encontrada a tal felicidade, buscada por quem quer que seja, capaz, ou não, de vislumbrar meios controvertidos para alcançar esse estado.
Perco meu tempo escrevendo isso.
Minha consciência é tranqüila, afinal.

Arthur Meibak

Carpe Diem é expressão que nunca precisou fazer tanto sentido para mim, até agora. Acostumei-me a, por vezes, ouvir alguns clichês em latim como esse, desde vidas condizentes com a Arcádea Lusitana, sem levar em conta o fato de que buscar o amanhã é costume antigo de minha parte, assim como as tentativas frustradas de reviver sensações outras que não as deste momento. Essa realidade, conflitante com o tal dizer latino, tem trazido, se não pesar, arrependimentos ilegítimos, além de me forçar a querer os traços esboçados pela mesma pena que retratou a utopia de Manoel Bandeira.
O sacrilégio de comparar alguns devaneios com o que expôs o mestre de Vinicius não é maior do que viver qualquer coisa que não esteja acontecendo agora. Contudo, a constante viagem ao redor do mundo de outrora redunda em algo que ocorre neste segundo, assim como estas letras, cientes da metalinguagem por elas incumbida, como se tivessem consciência acerca do que acontece em mim. Não sei.
Passado e futuro. Esse talvez seja questionamento exposto por dado Buda ou Krishnamurti. Talvez, à parte a pretensão. Quem são eles, afinal? Quem sou eu? Pergunto mentalmente a alguém que nem sei. Quanta metafísica gasta com pensamentos opostos à ausência deles, conduzida por Caeiro, enfim. Quantos personagens. Será que eu pude depreender um centímetro do que fora exposto por tais? Tantas figuras, qual o personagem que monto sempre que acordo, ou mesmo antes disso. Uma farsa! Mais uma.
Esse segredo já não é segredo. Igualmente vagos são os pensamentos que vão, rumo ao que deve, porventura, ser, tomados pela base de dias cujas crônicas não foram ainda escritas; cuja voz passiva não fora desmentida.
São tantas as idas e as vindas, pormenorizadas por repetições grosseiras no meio do caos, que chegam a dizer nada. Confusão.
A caminhada é longa. Tem sido, marcando a estrada delimitada pelos meus passos, ao longo das vidas com as quais me deparo, sempre que iludo a mim mesmo com as imagens de ontem, fato que se antepõe paradoxalmente ao tal Carpe Diem.

Arthur Meibak

Sobra falta em mim. Desde a mais distante lembrança que tenho, recordo-me desse vazio. É como se, independentemente do que eu fizesse, essa sensação continuasse a existir.
Vivo tentando suprir essa ausência, sem saber o que, de fato, falta. Tenho passado minha existência anotando meus planos e meus objetivos, sem, contudo, dar-me conta de que minha felicidade está sempre marcada para amanhã, ou depois. Conto mais de vinte anos sem que eu me visse satisfeito, a desejar o próximo passo rumo à plenitude, que nunca chega.
Minha vida é sempre o dia seguinte, a hora que ainda não chegou. São os anos que tenho gastado, esperando por qualquer que seja a mão capaz de me salvar do abismo que eu desconheço, apesar de saber o número de palmos que contam seu tamanho.
Eu não vivo em paz, sozinho. Não sei dizer que me vejo afetado por coisas pequenas aos olhos do cotidiano. Vivo perdendo minhas horas com inutilidades, sob a óptica da minha existência, que, por sinal, vive encontrando embaraço à fé que tenho quanto às cousas da vida. A certeza que levo comigo quando acordo não costuma ser a mesma que me guia quando vou dormir. Nau sem direção, guiada por mapas e bússola que levam a caminhos antagônicos, é o que sou. Já não tenho os mesmos anseios que tinha duas horas atrás. O dia é incerto, ou não.
Sempre vai faltar uma parte, mesmo quando eu acreditar ter descoberto a solução de tal desigualdade. Parece-me. Não tem bula meu remédio*.

*O Teatro Mágico
Arthur Meibak


Arthur Meibak

Sobre este blog

Sei da eterna necessidade de questionar. Aqui isso se dá, obviamente, sob a ótica dos meus olhos. O resultado são linhas que versam a respeito do que vivencio. É, pois, a crônica dos meus dias, que possui inegavelmente um viés, fruto do que sinto e do que vejo.

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