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"Podemos ir longe, se começarmos de muito perto. Em geral começamos pelo mais distante, o "supremo princípio", "o maior ideal", e ficamos perdidos em algum sonho vago do pensamento imaginativo. Mas quando partimos de muito perto, do mais perto, que é nós, então o mundo inteiro está aberto — pois nós somos o mundo. Temos de começar pelo que é real, pelo que está a acontecer agora, e o agora é sem tempo."

J. Krishnamurti

A última quarta-feira, 18 de maio, foi um dia atípico. O assassinato de Felipe Ramos de Paiva, aluno de Ciências Atuariais em vias de se formar pela FEA-USP*, impõe a todos nós uma reflexão sobre o momento em que vivemos. O foco não é simplesmente a morte de um jovem com todo o seu futuro pela frente, visto que esse tipo de barbárie reflete a luz do cotidiano paulistano. Trata-se de um debate a respeito de nossas relações sociais, bem como o papel da Universidade de São Paulo nesse contexto.
O primeiro ponto é a questão urbana, símbolo de gritantes desigualdades. A favela São Remo, ao fazer divisa com muros da Universidade, representa o mais claro contraponto à elite frequentadora do campus Butantã. O território, assim, simboliza uma espécie de fronteira interna da expansão capitalista baseada na manutenção de elevadas concentrações de riqueza.
Para tanto, a sociedade ocidental contemporânea, inserida nesse cenário por ela mesma criado, é pautada pelo individualismo. Esse processo de racionalização vê bases modernas na ascensão do pensamento liberal, difundido por teóricos iluministas como Immanuel Kant e Jeremy Bentham. Seus fundamentos são, primordialmente, a propriedade privada e a limitação do poder do Estado. Trata-se de uma tentativa de afirmação do indivíduo perante o âmbito social.
Essa realidade, por ser excludente, garante a existência de “discrepâncias” como a que aconteceu quase ontem no estacionamento da FEA. A pergunta que vem sendo discutida desde então é: Por que na USP? Respostas pontuais foram prontamente encontradas; falta de iluminação adequada e seguranças, entre tudo.
Uma pergunta importante seria: Por que não na USP? Observa-se uma tendência crescente de isolamento deste espaço acadêmico ante o resto da cidade. Uma das sugestões de combate à violência, inclusive, foi a instalação de catracas nos acessos à Universidade. A ideia, tão absurda quanto o argumento contra a “gente diferenciada”, na questão da linha laranja do metrô, sugere um regime de exclusividade para os alunos, principalmente – não é preciso lembrar que se trata de um espaço público.
A questão mais controversa, entretanto, é a entrada da PM nos domínios da USP. Antes de tudo, é preciso entender a questão legal envolvida nesse assunto. A USP é uma autarquia e, assim, possui autonomia com relação ao estado de São Paulo. Por outro lado, a polícia responde ao estado. Então, ao entrar no campus, ela se torna uma entidade independente, podendo exercer mandos e desmandos. É em todo o mundo que a polícia não entra em campi, e não apenas aqui. Essa é uma conquista histórica, pois se entende que a polícia vai de encontro com o livre pensar e a liberdade, ideais necessários em um ambiente acadêmico. Mais, um espaço de fato seguro não é necessariamente feito por policiais armados, que são mal treinados e mal pagos, como ocorre em São Paulo. Necessária mesmo é a mudança de paradigma referente à guarda universitária, que possui caráter de defesa patrimonial. Muito mais importante é capacitá-la e torná-la pessoal, no sentido de defender as pessoas que utilizam o espaço da Universidade.
É preciso que se exija do reitor um plano de gestão que priorize segurança e infra-estrutura necessária, ao contrário do gasto de milhões no deslocamento de funcionários para a reitoria retornar à Avenida Paulista. Mais do que isso, a questão não se limita a fatos pontuais, como instalação de postes ou câmeras de vigilância. Trata-se de um debate muito mais abrangente, referente à estrutura da nossa sociedade. Por fim, é um absurdo que uma pessoa precise morrer, para que medidas de segurança sejam tomadas.

*Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo


Arthur Meibak


Arthur Meibak

Sobre este blog

Sei da eterna necessidade de questionar. Aqui isso se dá, obviamente, sob a ótica dos meus olhos. O resultado são linhas que versam a respeito do que vivencio. É, pois, a crônica dos meus dias, que possui inegavelmente um viés, fruto do que sinto e do que vejo.

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